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sábado, 27 de maio de 2017

Origem e Formação Da Língua Latina no Império Romano - As Línguas Descendentes do Latim: românicas ou neolatinas

Desta vez o texto será histórico, ao contrário dos outros na linha filosófica. Considerando estudos linguísticos que venho realizando, o desenvolvimento deste artigo será, além de curioso, importante para compreensão de textos filosóficos nesta linha, de linguagem, que virão posteriormente. 

Aqui será traçado um histórico do nascimento do Latim, concomitante ao desenvolvimento do Império Romano, e o nascimento das línguas neolatinas, concomitante ao declínio deste império. Vamos lá.

A Língua Latina foi a língua civil da República e do Império Romano, foi a língua que sistematizada e estilizada serviu de meio pelo qual os grandes poetas e escritores cantaram seus heróis e suas conquistas, foi a língua que na fala do povo foi levada a um tão grande Império e serviu de mãe na formação de tantas outras: as neolatinas ou românicas.

O Latim é uma língua de origem indo-européia (língua-mãe de todos os falares Indo-europeus, língua essa reconstituída fonética e gramaticalmente por filólogos do séc. XIX por ser uma língua sem registros linguísticos). O povo, que falava o Indo-europeu foi denominado “Ária”, eram nômades, agricultores e pastores; e devem ter vivido provavelmente na parte central da Europa por volta do ano 5000 a.C. As migrações desse povo levaram parte deles (os oscos, umbros e latinos) a se alocar na Península Itálica e a prosseguiram suas atividades pastoris e agrícolas.

A Língua Latina se desenvolveu a partir da fala dessa pequena e humilde comunidade camponesa, a tribo dos latinos, que no início de seu crescimento habitou o Latium - região central da Península Itálica às margens do Rio Tibre. A evolução do Latim foi única e surpreendente: de uma fala simples e rude até tornar-se o meio de comunicação linguística da maioria de seus habitantes, isto é, foi a língua oficial e administrativa de um grande e poderoso Império. A marcha que leva esta língua ao triunfo acompanha a marcha das próprias legiões de soldados romanos no seu desenvolvimento de conquistas territoriais.

Entre as várias cidades do Latium, Roma, fundada em 753 a.C., pouco a pouco foi crescendo e assumindo posição de destaque sobre as demais. Segundo dados lendários e históricos, a cidade fora construída por Rômulo em local estategicamente privilegiado da Península Itálica, pois além de estar próxima ao Rio Tibre, também a sua posição no alto da colina fazia com que escapasse à insalubridade dos vales pantanosos; por outro lado, estava ao centro de uma junção de várias vias naturais, o que facilitava o comércio das diversas regiões e gerava o contato cultural entre os vários povos vizinhos. Por isso, tornara-se ambicionada e sofrendo várias invasões. Esses fatores condicionaram o povo romano a serem, desde o início, guerreiros militares e defensores de seu território. O mesmo acontecendo com a língua latina, que a princípio era um entre os vários dialetos da região, porém em poucos séculos assume supremacia entre os demais: o osco falado bem ao sul de Roma; o umbro falado a nordeste – ambos bastante parecidos com o Latim e oriundos também da mesma protolíngua, o indo-europeu, como foi dito acima. Outro dialeto também existente na Península Itálica era o falisco, língua dos falérios e da qual há bem poucos testemunhos, ao norte de Roma, cercada de falares etruscos. Esses, por sua vez, eram falados ao norte e não formavam uma língua aparentada ao Latim ou aos demais dialetos, pois não há comprovação de ter uma origem indo-européia. O povo etrusco era possuidor de grandes cidades, cuja superioridade cultural e por vezes política ameaçou por muito tempo o crescimento e até mesmo a existência de Roma, ao se infiltrar como comerciantes, mas logo iniciar seu domínio político, tornando-se Monarcas de Roma.  Linguisticamente, a valiosa contribuição etrusca foi “o alfabeto” que eles haviam recebido dos gregos e dos fenícios e usavam para escrever sua língua. O uso desse alfabeto permite que as inscrições etruscas hoje encontradas possam ser lidas, mas não necessariamente entendidas. Esse povo legou outras grandes contribuições aos romanos como a tradição de construção de estradas (daí o dito popular: “Todos os caminhos levam a Roma”), de grandes edificações de muralhas de proteção da cidade, como também da construção de rede de água esgoto e saneamento. Apesar das contribuições, o domínio político etrusco (regime Monárquico) gerou insatisfações nos romanos e esses iniciam um trabalho que será sedimentado no decorrer da formação romana: o aperfeiçoamento da arte militar que contribui para um caráter rígido e prático dos romanos. Em 509 a.C., esses últimos já militarmente estruturados, fazem sua primeira conquista, quando destronam o rei etrusco Tarquínio Soberbo, expulsam o povo etrusco de seu território, retomam o poder e mudam a forma de regime político de Monarquia para República.

Uma vez que prosseguem os ataques dos povos vizinhos ao território romano, esses prosseguem com a luta de defesa de seu território. Cada vez se aprimorando mais e mais na arte militar se vêm capazes, em poucos séculos, não só de se defender, mas também de conquistar. Vencidos os etruscos e também o povo montanhês dos samnitas, sua dominação se faz sobre os umbros, os oscos, os sabélicos, até que os romanos chegam ao sul da Península Itálica e se defrontam com os gregos que habitavam essa região. Essa conquista é de fundamental importância para o mundo romano e ocidental, pois sendo o grego um povo de cultura muito mais elevada que o romano, mesmo perdendo a guerra passa a ser o modelo de imitação em todos os setores culturais de Roma e do grande Império, que logo depois se forma.

Assim, a conquista territorial do sul da Península Itálica, concluída em 272 a.C. com a tomada de Tarento, é o primeiro contato com a cultura do povo grego da Magna Grécia. Nessa, os romanos levam para Roma, entre os escravos de guerra, o jovem Andronicus. Esse domínio contribuiu para o início do conhecimento da cultura grega pelos romanos e o despertar da valorização da arte, principalmente a literatura, até então não ambicionada pelo povo latino, quando Andronicus, sendo liberto e exercendo o papel de mestre dos filhos dos romanos, traduz para o Latim a obra épica do grande poeta grego Homero – A Odisséia. Essa tradução, em 250 a.C., marca o início da Literatura Latina e o desenvolvimento da língua dos romanos. 

O exército romano, ao expandir suas conquistas ainda mais para o sul, trava as três grandes guerras, chamadas Púnicas, com os Cartagineses, povo mercador e que detinham a hegemonia comercial do Mar Mediterrâneo. A consequência de vitórias romanas nessas guerras é a ampliação territorial de Roma com a conquista das ilhas de Sardenha, Córsega e Sicília, bem como parte da Península Ibérica e o norte da África (nome dado pelos romanos em referência ao vento sul Africus). O final das três guerras com a derrota e destruição da grande potência marítima de Cartago por Roma, contribuiu para que Roma dominasse toda Europa Mediterrânea e o Mar Mediterrâneo fosse considerado por eles como MARE NOSTRUM INTERNUM.

Em meio às Guerras Púnicas, Roma estende seus domínios a leste para a Grécia e a Macedônia, no séc. II a.C. Este é um novo momento de enriquecimento não só territorial, mas cultural, pois os fundamentos filosóficos, filológicos e gramaticais são trazidos da Grécia neste intercâmbio de novos estudiosos.  

O Latim até então dito arcaico, começa a ser estudado, normatizado e estilizado para uso dos poetas e prosadores latinos e gregos. O romano, ao perceber a supremacia cultural dos gregos, busca nestas fontes o conhecimento de todas as artes, principalmente a literária e também o de gramática. Eles “bebem” nesta fonte mais pura, se aprimoram até se tornarem originais e do séc. I a.C. ao séc. I d.C. atingem o período áureo de sua literatura. 

Nesse momento, a língua utilizada pela classe culta já se aprimorara, estilizara e se diferenciara daquela que era falada pelo povo ou a chamada classe plebéia, a composta de mercadores, marinheiros, soldados, campesinos etc. Essa segunda modalidade de Latim tendia cada dia mais a simplificar-se para atender às necessidades de comunicação de uma classe progressivamente mais heterogênea em decorrência da expansão do Império Romano. Com as conquistas territoriais, os soldados, mercadores e outros iam até as províncias dominadas e posteriormente parte dos povos dessas regiões vinham para Roma.  O Latim levado às novas regiões era o dito “vulgar”, ou seja, a modalidade apenas falada, sem conhecimento de normas gramaticais e que tinha cada vez mais a tendência a ‘simplificações’ linguísticas, para facilitar a compreensão daqueles que no momento tomavam conhecimento desse falar e necessitavam se comunicar e travar todo tipo de transação comercial.

As conquistas territoriais romanas contribuem não só para o acréscimo de territórios, mas Roma ganha diferentes valores culturais e linguísticos no contacto com os novos povos conquistados, principalmente os gregos. A classe aristocrática tende a se distanciar ao máximo da classe plebéia e a fazer uso da língua dentro de padrões mais elegantes,  mais  cuidados, enquanto que em  oposição, era mais próprio da plebe um  uso  linguístico  mais  desleixado, indisciplinado. A essa diferenciação de uso da língua latina dá-se o nome, nos estudos romanísticos, de latim clássico e de latim vulgar. Essas não eram duas línguas, mas duas modalidades da mesma língua e não uma consequente cronologicamente da outra, mas sim, existiram simultânea e paralelamente; também conviveram num mesmo espaço de tempo e lugar. Socialmente, a grande diferença entre essas variedades do latim é que refletem duas culturas diferenciadas que conviveram  no grande Império Romano: de  um  lado,  a  de  uma  sociedade  fechada, conservadora e aristocrática,  cujo  primeiro  núcleo  seria  constituído pelo patriciado;  de outro,  a  de  uma  classe  social heterogênea e  aberta  a todas  influências,  sempre  acrescida  de elementos exteriores - a plebe, constituída por uma população rural que se estabelecera na cidade principalmente  para  servir  de  contingente  militar  para  as conquistas; por  estrangeiros  imigrantes  que  procuravam melhores  condições  de  vida  e  trabalho  em  Roma; por habitantes  das  províncias  recém conquistadas  pelos romanos  e  que  se  interessavam  pela nova  vida  que Roma podia lhes oferecer; e  ainda  por escravos libertos.

          O latim escrito (literarius) deste período já alcançara um nível superior ao atestado no século antecedente e atinge no séc. I a.C. até o I d. c. o seu período áureo com grandes escritores, poetas, historiadores e dramaturgos  como Catulo, Virgílio, Horácio, Cícero, Lucrécio, Ovídio, Júlio César, Sêneca entre tantos outros. Todos os gêneros literários foram desenvolvidos: poesia lírica, satírica, épica, pastoril, didática, erótica; a retórica, a oratória, a filosofia, a historiografia, o romance.

         Este período de glória romana é marcado também pela substituição do regime republicano pelo regime político do Império, em 27a.C., com as honras militares de Augustus, Princips e Imperator a César Otávio. Não só na política, Augusto enobreceu Roma por meio de grande incentivo à artes e favorecendo aos poetas de seu tempo (com auxílio de Mecenas). Augusto “recebe uma cidade de pedras e a transforma em uma cidade de mámore”, governa com rigor mas também com a PAX ROMANA.

O controle administrativo e político de cada uma das províncias conquistadas foi facilitado pela sólida rede rodoviária construída entre elas e Roma. A estradas, o tráfego e o comércio decorrentes delas, a ocupação militar das províncias e sua colonização, a administração e o Direito romanos contribuíram para o fluir de centenas de milhares de pessoas para o centro do Império, Roma. Em decorrência desses fatores, em toda parte, com exceção das regiões orientais, a Língua Latina se impôs, suplantando e desalojando as línguas locais. Processo linguístico esse que requer períodos de tempo diferenciados e por isso, em contrapartida, a língua dominadora (Latim) também recebe influências e empréstimos das línguas dos povos vencidos. A essas influências da língua dos povos vencidos na língua dominadora chamamos de substratos linguísticos.

As províncias romanizadas à oeste do Império e às margens do Danúbio passaram a falar então predominantemente o Latim; a leste, o Grego permaneceu dominante, ainda mais que os romanos o consideraram como segunda língua oficial para o lado oriental de seu Império.

Após a morte de César Otávio Augusto, novos imperadores governam de forma não a contribuir para a glória romana, mas inicia-se um período de tirania, despotismo, perseguição e morte aos seguidores do Cristianismo, saque aos cofres públicos, desrespeito aos cidadãos e aos valores éticos e morais que até então foram tão respeitados pelos romanos. Os Imperadores Claudianos (Tibério, Calígula, Cláudio e Nero), governantes entre 14 e 68 da nossa era, obscurecem a glória do Império Romano, emudecem pela censura o canto glorioso de seus poetas quando marram os fatos históricos reais e projetam a decadência do Império Romano.  

No século II de nossa era, a vastidão territorial do Império romano provoca dificuldades administrativas e a consequente descentralização do poder, não mais saindo apenas de Roma todas as decisões. Formas administrativas foram se diversificando: o Imperador Caracala em 212 concedia igualdade de direitos a todos os súditos do Império; o Imperador Galieno, de 260 a 268, decretou ampla autonomia militar às regiões mais afastadas; houve em 286 a repartição administrativa do Império em quatro regiões (tetrarquia) pelo Imperador Diocleciano; e finalmente em 395, em decorrência dessa última decisão, o desmembramento em Império Romano do Oriente, com a capital em Constantinopla, e Império Romano do Ocidente, com a capital Roma.

A falta de controle administrativo contribuiu para a pouca resistência militar sobre os invasores bárbaros (povos não romanizados, principalmente germânicos) que tendiam, em números cada vez maior, às infiltrações e conquistas nos territórios romanos. Esses povos bárbaros de origem germânica habitavam as regiões norte e nordeste da Europa e noroeste da Ásia, na época do Império Romano. Viveram em relativa harmonia com os romanos até os séculos IV e V da nossa era. Chegaram até a realizar comércio com os romanos, nas fronteiras e muitos germânicos eram contratados para integrarem o poderoso exército romano. Os romanos, assim como os gregos, usavam a palavra “bárbaros” para todos aqueles que habitavam fora das fronteiras do império e que não falavam a língua oficial dos romanos (ou a dos gregos). A convivência entre esses povos e os romanos durou até o século IV, quando uma horda de hunos pressionou os outros povos bárbaros nas fronteiras do Império Romano. Neste século e no seguinte, o que se viu foi uma invasão, muitas vezes violenta, que acabou por derrubar o Império Romano do Ocidente. Além da chegada dos hunos, podemos citar outros motivos que ocasionaram a invasão dos bárbaros: a busca de riquezas, de solos férteis e de climas agradáveis.

Os principais povos bárbaros germânicos que invadiram o Império Romano foram:

-Alanos: originários do nordeste do Cáucaso; entraram e ocuparam a região da Hispânia  e o norte da África no séc. IV e V;
-Anglos e Saxões: originários do norte da atual Alemanha e leste da Holanda. Penetraram e colonizaram as ilhas Britânicas ou antiga Bretanha no séc. V;
-Francos: estabeleceram-se na região da atual França e fundaram o Reino Franco;
-Lombardos: invadiram a região norte da Península Itálica;
-Burgúndios: estabeleceram no sudoeste da França;
-Visigodos: instalaram-se na região da Gália, Itália e Península Ibérica;
-Suevos: invadiram e habitaram a Península Ibérica;
-Vãndalos: estabeleceram-se na Península Ibérica e no norte da África;
-Ostrogodos: invadiram a região da atual Itália e depuseram o último imperador romano, Rômulo Augústulo (nome depreciativo de Rômulo Augusto: pequeno Augusto). A data de deposição de Rômulo Augústulo pelo bárbaro Odoacro, 4 de setembro de 476, na cidade de Ravena é tradicionalmente conhecida como o fim do Império Romano do Ocidente, isto é, o fim da Idade Antiga e o começo da Idade Média. 

Assim, essas incursões das tribos bárbaras provocaram a queda do Império do Ocidente no séc. V (476) quando os ostrogodos depuseram o Imperador Rômulo Augústulo. Este é um marco importante cronologicamente como fim do Império Romano do Ocidente e, portanto, limite de uma língua oficial dominante e que então começa a receber influências de outras línguas que não a substituem, mas exercem novas influências em cada período que com ela tem novo contato com novas línguas (e que chamamos de influências de superestrato). Com o declínio da autoridade central de Roma, diminui também a comunicação entre a regiões do Império e há um desenvolvimento linguístico cada vez mais divergente em cada região. Consideramos então que há uma dialetação do Latim Vulgar levado e implantado nestas regiões pelo povo romano.

Chamamos de romanço ou romance a esses falares que se desenvolveram a partir do Latim em cada região diferente, recebendo, por vários séculos, influências linguísticas diferenciadas até se sistematizarem, criarem uma literatura própria e se oficializarem em línguas nacionais. Temos hoje várias línguas que assim se formaram e que são um prolongamento do Latim de Roma, portanto são suas línguas-filhas.  As chamadas línguas neolatinas ou românicas são as seguintes: Português, Italiano, Castelhano ou Espanhol, Catalão, Provençal, Rético, Romeno, Sardo, Galego e Francês. O Dalmático foi também uma língua neolatina, sendo que hoje está extinta.